
O gênero Vanilla Plum. ex Mill no Rio Grande do Sul
Luiz Filipe Varella
51 99275-0412
São cerca de 140 as espécies de Vanilla, esse gênero de orquídeas trepadeiras estabelecido em 1754 pelo botânico inglês Phillip Miller, validando os estudos anteriores do padre francês Charles Plumier, falecido em 1704.
O gênero tem como espécie-tipo Vanilla mexicana Mill., e ocorre em toda a América tropical, na África e no sudeste asiático, sendo internacionalmente famoso pela produção de baunilha a partir das vagens de algumas das suas espécies mais robustas, especialmente Vanilla planifolia Andrews.
O próprio nome Vanilla deriva do espanhol vainilla, que é o diminutivo de vaina (vagem).
No Brasil, são aproximadamente quatro dezenas de espécies de Vanilla; metade delas é endêmica do país, ou seja, ocorrem somente no território brasileiro. E é um dos poucos gêneros de Orchidaceae com comprovada ocorrência em todos os Estados brasileiros, distribuídas por quatro de nossos domínios fitogeográficos: Amazônia, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.
Existe entretanto certa discussão a respeito de quais espécies de Vanilla ocorrem no Rio Grande do Sul.
Alguns trabalhos apontam duas espécies, outros apontam três. Neste artigo partimos de um fato: já encontramos pessoalmente três espécies no Estado, e, portanto, por essa experiência e esse testemunho pessoais, a partir desses registros no habitat, podemos afirmar sem chance de erro que são, no mínimo, três as espécies de Vanilla de ocorrência no RS: Vanilla angustipetala Schltr. (tratada por muitos como Vanilla rojasiana Hoehne), Vanilla chamissonis Klotzsch e Vanilla edwallii Hoehne.
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Vanilla angustipetala |
Vanilla chamissonis |
Vanilla edwallii |
A ocorrência das três espécies é restrita à mata atlântica.
V.chamissonis é a que tem menor dispersão no Rio Grande do Sul, com ocorrência exclusivamente ao norte da Lagoa Itapeva, praticamente na divisa com o Estado de Santa Catarina (onde ocorre em muito maior profusão).
As outras duas espécies têm ocorrência mais ampla, tanto na mata de restinga em torno das Lagoas Itapeva, Quadros e Pinguela, como na floresta ombrófila densa, em altitudes já um pouco mais elevadas (200-300m), e avançando para o oeste, com ocorrência também no Paraguai e nas províncias de Corrientes e Misiones, na Argentina.
No caso do Rio Grande do Sul, a dispersão dessas três espécies corresponde essencialmente a uma faixa litorânea da qual já comentamos em outras oportunidades.
Trata-se de uma faixa de aproximadamente 90km de extensão por 20-25km de largura em média, que acompanha o Oceano Atlântico no sentido norte-sul, desde o Município de Torres, na divisa com Santa Catarina, até o Município de Santo Antonio da Patrulha. É a chamada “porta de Torres”, que é como Padre Balduíno Rambo já aludia, nos 40 e 50, a esse verdadeiro corredor natural limitado a leste pelo oceano e a oeste pelos paredões e escarpas da Serra do Mar. São muitas as espécies de orquídeas que no Rio Grande do Sul são encontradas apenas nessa região – espécies que se “aproveitaram” desse caminho para alcançar essa parte do território do Rio Grande do Sul. Isso permitiu que tenhamos dentro dos limites de nosso Estado algumas espécies que de outra forma não encontraríamos, embora sejam bastante comuns acima da divisa com Santa Catarina.
É o caso de orquídeas dos gêneros Catasetum, Stanhopea, Bifrenaria, Cirrhaea, Huntleya e Gongora. E, claro, as três espécies de Vanilla das quais vamos falar a seguir.
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Vanilla angustipetala Schltr. |
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em mata de restinga |
Descrita em 1922 por Schlechter, é bastante conhecida por sua sinonímia Vanilla rojasiana Hoehne.
Com floração no verão e começo do outono, é, dentre as espécies de Vanilla de ocorrência no Rio Grande do Sul, a de menor porte, raramente ultrapassando os três metros de comprimento.
Em característica comum às três espécies, apresenta raízes no solo, de cerca de até 50cm de comprimento por 0,4-0,5cm de diâmetro, e também um sistema radical epifítico, com raízes curtas dispostas opostamente a cada folha, alternadamente, fixando a trepadeira nos troncos ou rochas onde cresce.
As folhas de V.angustipetala têm de 4 a 10cm de comprimento por 2 a 5cm de largura, são ligeiramente coriáceas, com forma elíptica e com ápice agudo. A inflorescência porta geralmente uma a duas flores de aproximadamente 4,5cm de diâmetro (as de menor tamanho dentre as três espécies aqui tratadas), e com sépalas e pétalas verde-amareladas, com margens ligeiramente onduladas.
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em mata de restinga |
O labelo é branco, trilobado, com os lobos laterais cobrindo a coluna, com carenas levemente elevadas nascendo largas na base e se estreitando até atingir o meio do labelo, onde desaparecem para dar lugar a pequenas verrucosidades que seguem até a extremidade do lobo médio. A coluna mede cerca de 1,2cm de comprimento por 0,2-0,3cm de largura e é reta em quase todo seu comprimento, encurvando-se apenas no ápice. V.angustipetala ocorre nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, no nordeste da Argentina e no Paraguai. O nome da espécie vem de duas palavras gregas (angústus = estreito e pétalon = pétala), referência portanto à largura das pétalas.
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Vanilla chamissonis Klotzsch
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Das três espécies de Vanilla do Rio Grande do Sul, V.chamissonis, descrita pelo alemão Johann Friedrich Klotzsch em 1846, é a de mais fácil identificação quando sem flor, pois seu vegetal é bastante distinto das outras duas. Apresenta caule espesso e carnoso, de cerca de 2cm de diâmetro, que pode atingir mais de 15m de comprimento, e suas folhas são pendentes, coriáceas e alongadas (características das espécies mais robustas, produtoras de baunilha), com mais de 20cm de comprimento por 3-4cm de largura cada uma delas.
Seu habitat característico é a mata de restinga; a espécie não adentrando na floresta ombrófila densa. Muitas vezes os vegetais crescem acima do tronco onde está afixado e acaba pendendo sobre a mata, atingindo até mesmo o solo. |
A inflorescência de V.chamissonis tem cerca de 10-12cm de comprimento, com um número variável de flores entre 5 e 20.
As flores são de um amarelo esverdeado pálido, ligeiramente semelhante ao colorido das folhas, e abrem uma a uma, com intervalos de aproximadamente dois dias entre elas.
O labelo é mais tubular e alongado que os das outras duas espécies e tem as margens encrespadas. É branco e ligeiramente translúcido, com o disco amarelo-ouro, com verrucosidades variadas na faixa central e, próximo à base, pequenas cristas.
A coluna é ereta, com cerca de 4cm de comprimento, e pilosa em seu ventre.

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A ocorrência da espécie alcança praticamente todo o litoral atlântico de Torres até a Guiana Francesa, sendo encontrada também na Bolívia.
O nome “chamissonis” é homenagem de Klotzsch ao poeta e botânico alemão Adelbert von Chamisso (1781-1838), que descreveu muitas espécies botânicas das Américas.
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V. chamissonis no habitat |
vegetal em cultivo |
Vanilla edwallii Hoehne
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Descrita por Hoehne em 1941, tem vegetal bastante assemelhado ao de V.angustipetala, apresentando entretanto porte maior (as plantas de V.edwallii podem passar facilmente de 10m de comprimento) e folhas mais coriáceas e maiores (até 15cm de comprimento por 4-5cm de largura), e em geral com forma mais alongada e de colorido ligeiramente mais amarelado do que as folhas de V.angustipetala. Floresce no auge do verão, com inflorescências foliadas, de até 15-20cm de comprimento, portando 1 a 4 flores de curta duração e com cerca de 6cm de diâmetro cada uma delas. Pétalas e sépalas verde-amarelas, carnudas, com margens crispadas, bem mais crispadas do que as das flores de V.angustipetala, e com extremidades mais agudas. |

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Labelo branco, e como nas demais espécies, trilobado, com os lobos laterais cobrindo a coluna.
O lobo central é mais longo e mais acuminado que o lobo central do labelo de V.angustipetala, apresentando-se com forma ligeiramente triangular e com três crestas elevadas, com colorido amarelo-queimado central, que sobem da extremidade do labelo até quase a sua base.
A coluna é bem mais arqueada que a de V.angustipetala, e mede 2,4cm de comprimento por 0,3cm de largura. V.edwallii tem ocorrência nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, chegando à região de Misiones na Argentina.
O nome da espécie foi homenagem de Hoehne a Gustavo Edwall, que no início do século XX coletou no Estado de São Paulo os exemplares que viriam a ser |
estudados quando da descrição da espécie.
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