Continuação
da entrevista com Dona Maria Werneck de Castro
Como foi sua relação com a Universidade
de Brasília?
A uma certa altura, minhas relações com o Dr. Heringer já eram mais chegadas,
ele já levava mais coisas para eu fazer.
Confesso que já estava cansada do serviço burocrático e pedi para ser requisitada
pela universidade. Fui requisitada com portaria assinada pelo Castelo Branco
e aí eu fui trabalhar com João Murça Pires, que dizem que era o maior entendedor
da borracha. Nós não nos demos bem e pedi para ir trabalhar com Dr. Alcides
Rocha Miranda, na seção de desenho. Fui para lá, fiquei um tempo e fui embora.
E a senhora desenhou o que nesta época?
Várias coisas mas com exceção do Dr. Heringer, não tinha ninguém que se interessasse
pelo estudo da botânica . Ninguém, é maneira de dizer, tinha o Darcy Ribeiro
e o reitor Zeferino Vaz. Este reitor foi muito discutido, mas foi muito bom
reitor. Ambos, Darcy Ribeiro e ele, faziam uma questão absoluta do estudo
não só do cerrado, como de toda flora brasileira. Eu ainda tenho a portaria
do Presidente da República e uma carta escrita pelo reitor falando da necessidade
de se fazer um estudo da botânica. Este carta do reitor, por exemplo, é uma
carta muito bonita. Dá uma idéia do interesse dele, da noção que ele tinha
da necessidade de se estudar a natureza do Brasil, que, até então, não tinha
recebido uma verdadeira atenção.
Agora, estou completamente afastada. Não sei se há desenhista, gente que faça
isso com a flora do cerrado, que é uma coisa extraordinária, uma beleza. Deve
haver, porque Brasília tem uma universidade, tem um Jardim Botânico.
Em botânica, fotografia é uma coisa da qual eu sou fidalgal inimiga. Tem que
fazer do natural.
De Brasília a senhora voltou para o
Rio e continuou com seu trabalho de desenho botânico?
Continuei porque eu não tinha nada que fazer. Não tenho a menor idéia de como
conheci o Pedro Carauta, um dos grandes botânicos do Brasil, que era do Centro
de Botânica da Feema. Trabalhei muito com ele e, anos depois, pedi-lhe para
arrumar uma ocupação para mim e aí ele arranjou para eu trabalhar lá no alto
da Boa Vista, onde eu tive a fortuna de conhecer a dona Dulce Nascimento.
Ela era um menininha.
Era um sacrifício. Eu levantava as 5h30 da manhã para me arrumar, arrumar
almoço, tomar um ônibus que partia às 6h30, para chegar ao Jardim Botânico
e pegar uma kombi que saía às 7h30 em ponto. Quem chegasse às 7h31 (risos)
não tinha como, não podia ir trabalhar. Só quem tivesse carro e eram poucos
os que tinham. A gente ficava até as 5 horas da tarde, todo dia. De volta,
eu chegava em casa às 6 horas em ponto. Para descer, a gente tomava a tal
kombi às 5 horas na porta da Feema e ia embora para a cidade.
E lá, a senhora fez muitos trabalhos
interessantes?
Eu perdi muito tempo. Eu poderia ter feito muito mais coisas. Mas acontece
que os botânicos não me davam a menor confiança. Para o Pedro me dar um desenho,
era preciso eu implorar e ele só me dava desenhos de Moráceas
E o Centro ainda tem algum trabalho
seu?
Eles devem ter.
A senhora fez uma exposição com os trabalhos
das Moráceas.
Esta exposição foi muito boa, não porque era minha, mas porque foi muito bem
feita, porque a gente da Casa de Rui Barbosa trabalhava maravilhosamente bem.
Foi uma exposição das Dorstenias, um gênero da família das Moráceas, da família
dos ficus.
Antes dessa exposição, em 1973, eu recebi uma carta do Jardim
Botânico da Cidade do Cabo, pois eles iam fazer uma exposição e estavam
coletando desenhos de todo mundo e eu mandei quatro desenhos para lá e ia
assistir a abertura da exposição. No dia em que ia eu pagar a passagem, tive
uma parada cardíaca e lá se foi a exposição.
Elas eram organizadíssimos. Levaram os desenhos e devolveram em perfeito estado.
Estes desenhos hoje estão na Biblioteca Nacional.
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Clique aqui para ver algumas ilustrações
de Dorstenias (260 kb)
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E os outros desenhistas de botânica daquela
época?
Só me lembro do Salvado.
E a Margaret Mee?
Naquele tempo, ela não vinha ao Brasil.
Dulce:E tinham aqueles desenhistas do Instituto
de Manguinhos. São trabalhos maravilhosos.
Manguinhos tem desenhos científicos maravilhosos, de insetos. Não sei se ainda
estão guardados ou se os cupins comeram.
E estes desenhos foram feitos por quem?
Pelos pesquisadores de Manguinhos mesmo . Eram 3 ou 4 desenhistas especialistas
de insetos, não de plantas.
Dulce: Dona Maria me levou lá pois
ela fez doação de um aparelho que ela tinha para desenho, chamado câmara clara.
Uma peça única, linda, toda dourada, de valor histórico até para a história
da ilustração científica. Eles nos mostraram os arquivos com as pranchas de
desenho de bico de pena, uns trabalhos maravilhosos. Eu fiquei admirada, nunca
pensei que aqui no Brasil tivesse trabalhos assim e ninguém sabe disso. Um deles
foi o professor da dona Maria, Professor Raymundo Honório de Castro Silva.
Esta câmara clara é exatamente como?
Dulce: É um instrumento que a gente adapta à mesa onde vai trabalhar e ele clareia
o desenho Não tem lâmpada, não tem nada, é puramente mecânico. É tudo com lentes,
uma reflete na outra que reflete a imagem no papel... Tinha um jogo lindo de
lentes,
Eu tinha curiosidade de saber que fim eles deram a este aparelho.
E as exposições?
Dulce: Teve esta da Casa de Rui Barbosa, organizada pelo Pedro Caralta. Depois
no Jardim Botânico, na FESP, África do Sul, Dinamarca, Estados Unidos
e Japão.
A senhora foi professora de desenho?
Não, sou uma negação para ensinar.
Dulce: Eu não acho, não.
Mas a senhora tem seus seguidores. Pessoas
que se consideram como seus seguidores, como a Dulce, por exemplo, Paulo Ormindo, Vânia
Aída, desenhista de botânica lá da Feema, Cristina Miranda...
A senhora inventou que foi minha aluna. Eu arranjei um banquinho para ficar
sentada no mato porque eu não podia sentar no chão, ia eu com o banquinho, material
de desenho e a Dulce ia atrás.
Naquele tempo, já havia assalto e eu ficava sentada na estrada, na floresta
da Tijuca, para desenhar uma árvore quando aquele senhor. que tomava conta do
herbário, soube e ficou uma fera:
"- Dona Maria, não faça uma coisa desta, não vá para esta estrada sozinha".
Eu fiquei espantadíssima. Eu não sabia que já naquele tempo havia assalto. Ele
ficou tão indignado...
Dulce: Na FEEMA, colocaram o nome dela
na sala de desenho para homenageá-la.
A senhora teve um livro publicado pela
Salamandra, não é?
Sim, "Aquarelas, Espécies Ameaçadas de Extinção". Eu, que sou a dona do livro,
não tenho nenhum exemplar. Meu irmão disse que ninguém nunca viu uma coisa desta,
o autor que não tem seu livro. Eu não tenho. A culpa não é minha.
Dulce: Mas a senhora ficou preocupada em
mandar os livros para os jardins botânicos do exterior...
Acontece que eles não tinham o menor interesse de mandar para os jardins botânicos
estrangeiros. Eu ganhei 25 exemplares. Do meu bolso, eu despachei 25 exemplares
para os jardins botânicos. Tenho cartas lindas agradecendo. Foi tudo às minhas
custas e fiquei sem nenhum.
Um desenho eu fiz errado porque eu não tinha visto a flor, eu não sabia da posição
dela, de maneira que eu desenhei errado. Quando eu descobri isto, eu fiquei
aflitíssima. Escrevi uma carta ao Diretor do Jardim Botânico de Copenhagen dizendo
que eu tinha, inadvertidamente, desenhado a planta numa posição errada, mas
que eu prometia a ele mandar uma correta e mandei a correta. Mas acontece que
não tinha ninguém que fosse a Grumari buscar uma para eu acabar. Afinal, o Paulo
Ormindo foi lá e desenhou. Então acabou o desenho para mim. Não queria acabar:
"-Onde já se viu isto, um começar e outro acabar?"
Então eu disse para ele:
"-Se ainda não se viu, vai-se ver este".
E mandei.
Eles me mandaram uma carta linda dizendo que estavam fazendo uma bela moldura
para colocar o desenho em uma das salas do herbário onde estão
os trabalhos de Albert Eckhout, pintor que veio com Maurício de Nassau,
feitos em Pernambuco em 1642.
Dulce: Não foi um erro seu. Quando lhe
deram o ramo da planta ele estava murcho e não explicaram que não era assim,
que ela era para cima.
Foram dois desenhos. Um, era um fruto, Norantea brasiliensis, com o cacho do
fruto já murcho. Ele era ascendente e o desenho ficou descendente. Este foi
um, este ficou assim mesmo. Não corrigi e nem podia. Só corrigi a outra. Mas
eu não tenho mais memória.
Como que a senhora não tem memória, se
a senhora está falando há mais de 1/2 hora, contando um monte de coisas?
Mas eu não estou dizendo as coisas principais. Memória é uma coisa muito curiosa.
Eu viajei muito depois que voltei de Brasília. Enquanto eu morava lá, eu fazia
minhas viagenszinhas, mas viajar, viajar mesmo foi depois que eu vim para cá.
Outro dia veio uma amiga minha aqui, que viajou muito também, e começamos a
relembrar coisas. Quando chegou na Índia, ela me perguntou:
" - Você foi ao....?"
e ela esqueceu o nome do que ela queria perguntar, ai eu disse:
" - Já sei, você quer saber se eu fui ver o ...".
Pois olha, levei dois dias para lembrar. Ela não pensou mais no assunto e eu
levei dois dias para lembrar que era o Taj Mahal que eu tinha ido ver e não
conseguia lembrar. Levei dois dias para lembrar Taj Mahal.
Ora! Esquecer o Taj Mahal chega a ser pecaminoso. Aquela beleza!
Outra coisa, outro dia falaram em Bariloche. Eu já fui lá, mas não me lembro
de nada, nada, nada. Se disserem que é igual a Anápolis, eu acredito. Eu esqueci
Bariloche e dizem que é lindo.
Mas em compensação, a viagem fabulosa para
ver os icebergs, para o polo norte, a senhora não esqueceu. Conta um pouco desta
viagem para nós.
O polo norte simplesmente não dá para esquecer. Foram doze dias. Fui a convite
de uma amiga que fez o roteiro. Ela foi a Londres de avião. De Londres tomou
outro avião e foi a Bergen, que é uma cidadezinha de pescadores, na costa da
Noruega. De lá a gente toma um navio feito especialmente para ir ao Polo Norte.
E vai margeando a costa da Noruega, descendo de cidade em cidade e havia gente
a bordo fazendo estudos e teve interesse em ir além. Então nós fomos até o paralelo
81 e voltamos. Era uma beleza! Fomos a Pitsbergen, que é outra coisa maravilhosa.
Essa a gente não esquece.
Agora, tenho pena por não saber tirar fotografias, não tenho mão, porque eu
gostaria de ter tirado fotografias destas viagens.
Onde mais a senhora foi, que países visitou?
Ah! não sei, foram muitos.
Fui a alguns lugares onde ninguém ia, ninguém gosta de ir. Um exemplo... o Egito,
não é todo mundo que gosta do Egito. Turquia, não posso dizer que fui, pois
só conheço a costa. Japão, eu fui sozinha, mas eu tinha uma amiga lá.
Um lugar que foi assim a suma ousadia em ir sozinha, mas depois eu fiquei acompanhada
pois encontrei duas senhoras que resolveram me adotar, foi Hong Kong, eu fui
sozinha. Quando o avião ia descendo, uma senhora disse para outra:
"- Ih, parece uma favela".
Eu disse: "- São brasileiras?"
" - Somos. A senhora está sozinha?"
"- Estou". "- Mas é uma loucura vir sozinha a Hong Kong, a senhora vai ficar
conosco."
E eu fiquei com elas. Foi muito agradável. Já era a 2a. vez que elas estavam
indo a Hong Kong, estavam indo comprar enxoval para os filhos que iam se casar.
De maneira que elas iam fazer as compras e eu, que não me interessava por isto,
ia ver as coisas que eu queria ver. Adorei Hong Kong antigo, Hong Kong atual.
Eu fui lá há uns dois ou três anos, não é mais a mesma coisa. Mas a baia de
Hong Kong é linda. Para ir a Macau, toma-se um naviozinho, é uma beleza a baia.
Parece a baia da Guanabara.
Participaram desta entrevista: Delfina de Araujo e Dulce Nascimento
Fotos: Delfina de Araujo, Dulce Nascimento e arquivo Werneck
de Castro
Tratamento digital: Sergio Araujo
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Sergio Araujo Fotografia e Brazilian Orchids, como homenagem à Dona Maria Werneck de Castro criaram um site exclusivo para ela.
Você pode acessá-lo em: http://www.geocities.com/soho/workshop/6166 |