Entrevista


Reginaldo de Vasconcelos Leitão




Reginaldo de Vasconcelos Leitão é mineiro de Governador Valadares.
Formado em Geografia, pesquisador autodidata, se dedica notoriamente a buscar um melhor conhecimento sobre o habitat de orquídeas e bromélias.
Mais de 50 espécies de plantas em geral que ainda não haviam sido descritas foram encontradas por ele e algumas delas foram descritas em sua homenagem.

ON: Reginaldo.  poderia nos falar um pouco sobre você e seu interesse pelas orquídeas? Como foi despertado? Você realmente começou a cultivar com 9 anos?

Desde cedo tive um olhar sensível e apaixonado pelas plantas,me encantava com as mais singelas flores que nasciam nos cantos das ruas, nos passeios, jardins... Meu primeiro contato com as orquídeas se deu muito cedo e foi um encantamento repentino e intenso. Eu tinha apenas 9 anos de idade quando vi uma orquídea fixada num tronco de uma mangueira. Naquele momento me surgiram muitas perguntas sobre qual tipo de relação existia ali, entre a orquídea e a mangueira. A primeira coisa que escutei sobre a relação entre elas é que a orquídea era uma espécie de parasita e essa informação só me deixou mais curioso sobre as orquídeas e desde aquele momento eu resolvi ir atrás de respostas. Na época as informações eram poucas, pelo menos onde eu vivia, havia poucas pessoas que realmente se dedicavam ao cultivo das orquídeas e as publicações (revistas e informativos) eram escassas e pouco acessíveis. Na minha infância e adolescência, eu fazia de tudo para ter acesso a mais informações sobre as orquídeas. Fazia trabalho voluntario em flores e em casas de colecionadores e com isso fui aprendendo muito, estudando sobre as orquídeas e convivendo com elas e os colecionadores.

ON: Você tem uma coleção eclética ou você adotou alguma filosofia? 

Já tive uma coleção mais eclética, porém devemos avaliar nossas possibilidades de cultivo para não cometer erros e acabar perdendo espécies preciosas.
Acredito que o início da maioria dos colecionadores é tentar ter o máximo de espécies possíveis, mas isso exige muito dos colecionadores, necessita muito conhecimento, tempo e dinheiro. Manter uma coleção com uma enorme quantidade de espécies é muito desafiador. Atualmente eu foquei em plantas que, com o tempo, fui tomando mais gosto. Isso naturalmente acontece com a maioria dos colecionadores, você sempre vai olhar com mais paixão e apreço para determinadas espécies ou gêneros. Hoje sou mais apaixonado por Encyclia e Cattleya, mas confesso que meu coração é leviano, flerto com muitas outras.


Cattleya warneri
concolor 'Wellington'

ON: Pelas suas publicações recentes no Facebook, você tem uma boa coleção de Cattleya labiata. Ela é a sua preferida? Qual o espécime que você mais gosta?

A Cattleya labiata não é minha espécie preferida, na verdade é uma irmã muito próxima a ela: a Cattleya warneri.
A região onde cresci e vivi a maior parte da minha vida é um berço natural desta espécie. Nas matas do Vale do Rio Doce ela reina com toda sua exuberância e era a espécie mais popular, chamada de “a verdadeira orquídea”.
Em muitas casas, dos pobres aos ricos, quem gostava de orquídeas tinha uma Cattleya warneri em casa, especialmente nos pomares. Ela carrega um simbolismo muito forte, como florescem perto dos dias de finados, muitas famílias tinham elas como lembrança de alguém especial que partiu.
Recordo-me de histórias de colecionadores de mais idade que, como as roças eram cheias da parasita roxa, elas eram trazidas

para os quintais e amarradas nas frutíferas. Quando eram cortadas as grandes árvores, cujas copas eram tomadas por Cattleya warneri e outras orquídeas, as “orquídeas verdadeiras” eram resgatadas e iam para casas dos sitiantes.
Bem, sobre a Cattleya labiata... minha família é toda cearense e, certa vez, minha avó nos visitou aqui em Minas e viu uma Cattleya warneri florida na minha casa. Ela olhou com bastante atenção e me falou que na casa da minha bisavó tinha daquela “rosa” no pomar, que, no caso, era, na verdade, a Cattleya labiata.
Minha avó falou que ela era comum na Serra de Uruburetama, local onde meus antepassados viviam, então nesse dia percebi que minha paixão pelas orquídeas estava firmada desde antes de eu nascer, sendo algo que passou por gerações, pelo sangue.
Hoje dedico grande parte da minha coleção às Cattleya labiata. Tenho loucura por elas.

Cattleya labiata 'Deusa da Seca'

ON: Seu orquidário fica em locais de clima frio ou de temperatura mais elevada?

Quando eu morava em Gov. Valadares eu tinha mais restrições no cultivo das orquídeas, pois lá o clima é mais quente e isso limitava minha coleção.
Hoje moro em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte. Aqui em Betim o clima é mais ameno, dias relativamente quentes e noites frescas. No verão chove muito, entre novembro e março. De abril até setembro temos dias e noites mais frios, variando a temperatura entre dia e noite. Isso ajuda no cultivo de várias espécies de orquídeas. A altitude daqui de casa é 890m acima do nível do mar, clima de cerrado, bioma predominante.

ON: Você tem alguma dica de cultivo para dividir conosco?

A meu ver devemos saber primeiro quais condições que temos para oferecer para as orquídeas: que tipo de clima, altitude, se onde moramos é uma casa, um apartamento, se bate mais sol pela manhã ou na parte da tarde no local onde iremos cultivar as orquídeas, se tem muita ou pouca ventilação e luminosidade.  (*)
Partindo dessas informações primordiais iremos pensar sobre quais tipos de orquídeas se adaptam melhor nessas condições e podemos desenvolver o melhor cultivo.
A questão do tempo que vamos dedicar para elas é muito importante. Dependendo da nossa rotina, saberemos que horas podemos regar, de quanto em quanto tempo vamos adubar, controlar pragas, doenças e replantar.
Devemos primeiro fazer essa reflexão para depois chegar nas conclusões finais, como: que tipo de orquídeas cultivar e quais insumos usar. Muitas vezes você tem um espaço espaço excelente para cultivar Vanda, mas quer cultivar Pleurothallis.

Cattleya labiata semi alba 'Esperança'
Cattleya warneri rosada 'Célia Miranda'


ON: Além de colecionador, você tem se dedicado a visitar orquídeas no habitat? Desde quando? 

Meu perfil é mais de pesquisador do que de colecionador. Desde cedo eu olhava para aquelas grandes maciços de rochas que estão presentes no leste e nordeste de Minas e pensava... que tipo de orquídeas vivem ali?
Esses ambientes sempre me chamaram muito atenção e antes dos 20 anos eu passei a visitar de forma constante alguns pontos perto de Gov. Valadares. O principal, de início, foi o Pico do Ibituruna e lá, depois de muitas andanças pelo mato, conheci muitas espécies de orquídeas na natureza, porém, lá do alto do Ibituruna, um mar de morros me foi revelado e a vontade de visitar cada ponto daqueles acelerava o meu coração.

Era simplesmente um chamado irrecusável.
Dediquei-me muito para conhecer cada pedra possível, cada ponto que estava ao meu alcance e todo esse esforço, que tem como combustível a paixão pelas orquídeas, trouxe para a ciência uma série de plantas antes nunca vistas e muitas possibilidades foram concretizando.
Cada pedra, cada afloramentos rochosos, cada lado da rocha e cada jardim rupestre preservava uma novidade, algo quase inesperado, mistérios que, apenas em alguns sonhos, eram para mim reveladosAlgumas espécies que descobri, antes mesmo de eu chegar até elas na natureza, eu já as havia descoberto em meus sonhos e apenas segui o coração para chegar exatamente aonde elas estavam.

Orthophytum vasconselosianum
Isso aconteceu com a Encyclia oliveirana e a Orthophytum vasconcelosianum.
São coisas do coração, do espírito, que não tem explicação.

ON:  Qual destes habitats foi mais surpreendente para você?

Visitei inúmeros ambientes incríveis por Minas Gerais, especialmente no leste e nordeste. Dois locais que visitei, para mim, são verdadeiros paraísos da biodiversidade: Serra do Pitengo e Serra do Padre Ângelo.

Serra do Pitengo, leste de Minas Gerais.
Serra do Padre Ângelo, Conselheiro Pena-MG

A Serra do Pitengo fica localizada entre Itabirinha e Nova Belém, numa região onde existem muitos afloramentos rochosos.
A Serra do Pitengo é um complexo de afloramentos unidos, formando desde cumes acima dos 1400m até lajedos planos e extensos, abrigando uma enorme quantidade de espécies de orquídeas, muitas delas até então novas para ciência.
Nessa região é incrível a quantidade de espécies de Pseudolaelia. Na época Michael Frey estava muito dedicado ao estudo desse gênero e eu acabei pegando carona no entusiasmo dele e, junto com meu querido mestre Marcos Campacci, fizemos o estudo e descrição de muitas espécies da Serra do Pitengo e região, entre elas: Anacheilium itabiriense (5), Pseudolaelia pitengoensis, Bulbophyllum pitengoense, Brassavola pitengoensis, Bulbophyllum reginaldoi.

Outro local importante e com muito destaque é Serra do Padre Ângelo, local em que fui pioneiro no estudo científico e desvendamento da biodiversidade.
Em 2011, iniciei o estudo da região da Serra do Padre Ângelo, começando pelo Pico do Aliança, onde descobri a Hoffmannseggella alvarenguensis (1) e as populações da rara Hoffmannseggella munchowiana (2).

A Serra do Padre Ângelo é um local com características inusitadas, é como se um braço da Serra do Espinhaço chegasse até o vale do Rio Doce e as condições naturais existentes ali fez com que uma riquíssima flora e fauna despontasse, revelando espécies inacreditáveis.
Certamente a espécie mais simbólica do Padre Ângelo é a rara e endêmica Drosera magnifica, planta carnívora que descobri e que teve uma repercussão imensa.

Drosera magnifica

À medida em que a Serra do Padre Ângelo está sendo explorada e conhecida cientificamente, muitas novas espécies estão sendo descobertas e descritas.
Hoje a Serra do Padre Ângelo é um local que está sob o olhar de muitos pesquisadores e especialmente dos cuidados da comunidade que vive nesse paraíso.
Para mim, esse é o verdadeiro êxito da minha vida, fruto do amor, dedicação e respeito pela natureza, um legado que estou deixando para servir de inspiração. Todos os meus sonhos estão se realizando e esses sonhos se somou aos sonhos de outras pessoas, o resultado disso tudo é algo inimaginável, muitas conquistas para a ciência e para o todo.


ON: Então em suas excursões, você encontrou diversas espécies, não apenas orquídeas, que ainda não haviam sido descritas, dentre elas, algumas levam seu nome

Sim, várias espécies novas foram encontradas por mim durante os anos de expedições que dediquei em desvendar os habitats naturais do leste e nordeste de Minas Gerais, além de parte do ES.
Entre as orquídeas: Anathallis vasconcelosiana, Coppensia vasconcelosiana(3), Pseudolaelia vasconcelosiana, Bulbophyllum reginaldoi, Hoffmannseggella vasconcelosiana(4). Assim como de outras famílias Alcantarea vasconcelosiana, Orthophyttum vasconcelosianum, Quesnelia vasconcelosiana e Begonia vasconcelosiana.

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Anathallis vasconcelosiana
Bulbophyllum pitengoense
Gomesa vasconcelosiana
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Hoff. alvarenguensis
Pseudolaelia pitengoensis

Delfina, agradeço imensamente por esse momento em que posso falar um pouco sobre minha paixão e minhas vivências.


Nomenclatura atualmente aceita:
(1) Cattleya alvarenguensis
(2) Cattleya munchowiana
(3) Gomesa vasconcelosiana
(4) Cattleya vasconcelosiana
(5) Prosthechea itabirinhensis


(*) Nota da redação: No site Brazilian Orchids ' existe um tópico -'Ache sua orquídea' que permite localizar os locais e condições onde as orquídeas podem ser cultivadas.