In Memoriam

 

retrato

Pedro Nehring
25 de maio de 1955 - 13 de janeiro de 2023

“O Inhotim é o intangível do futuro.
Se plantarmos, teremos futuro. Se eu conquistar isso, pode me enterrar debaixo de uma árvore”
Pedro Nehring, 2019

“Gosto da linha que se harmoniza com o meio ambiente local.
Você pode introduzir alguma espécie que tenha a ver, mas não vai plantar conífera no cerrado.
A volumetria é muito importante, a harmonia de cores, de época de floração, um jardim com exuberância mas com harmonia, com naturalidade, que envolve o meio ambiente com a arquitetura.
O jardim mais formalzinho é bonito na Inglaterra. Cada obra em seu lugar.
Não existe planta feia. Existe planta mal colocada, no lugar errado”

Pedro Nehring,

 

"Pedro Nehring é reconhecido mundialmente pela vastidão, amplitude e escala com que elaborava seus projetos, marcados pela harmoniosa convivência entre as variadas espécies escolhidas por ele. Folhas, troncos, raízes e folhas de diferentes tamanhos, texturas e formas cuidadosamente elaboradas em sua cabeça como um verdadeiro autocad vivo, organizando mentalmente seus trabalhos ao mesmo tempo que os realiza.
Em seus trabalhos percebe-se uma identidade paisagística. Ele montava cada jardim como se fosse único, sempre no sentido de fazer um jardim com exuberância, mas com uma certa espontaneidade.
Ele coordenava todo o processo, desde a retirada de um pequeno mato até a colocação de uma palmeira de 25 metros de altura e de uma pedra de 5 toneladas, alternando os ângulos e inclinações, mesmo depois de instaladas. A escala é imensa, mas o detalhismo na composição da paisagem é igualmente proporcional, com profundidade de cores e de movimento.
Nascido em Teresópolis, Pedro era autodidata e sofreu influência de seu pai, José Afonso Vilela César.
Trabalhou no Inhotim por quase 40 anos, desde a década de 80 com alguns intervalos.
Lá, uma das principais preocupações de Pedro Nehring sempre foi a de criar uma caminhada agradável ao longo dos jardins de maneira que os visitantes pudessem entender as paisagens como uma narrativa, a fim de que experimentassem e observassem a diversidade genética da flora nativa e exótica. Depois de ter realizado paisagismo nos anos iniciais da fazenda de Bernardo Paz, que posteriormente se tornaria Inhotim, Pedro rodou o País, principalmente pelo Sudeste, Sul e Bahia. Até que, em 2010, três anos após a abertura oficial de Inhotim, ele retornou a Brumadinho ao ser convocado novamente para dar sentido à paisagem, que era expandida sucessivamente para recuperar a identidade visual e ambiental do espaço estava se perdendo. 
O trabalho realizado por Pedro Nehring em Inhotim é, sem dúvida, o mais representativo da carreira dele. No entanto, o paisagista também atuou em centenas de projetos em dezenas de cidades brasileiras, distribuídas por nove estados (Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo), além do Distrito Federal. No Rio de Janeiro, a partir de 1975, Nehring trabalhou para diversas construtoras em obras na capital fluminense, em Búzios e em Itaipava. No Mato Grosso do Sul, Nehring morou de 1980 a 1983, realizando obras públicas e privadas em fazendas. Em Belo Horizonte, realizou projetos paisagísticos em casas. Uma das mais conhecidas é de um dono de uma empresa de aluguel de veículos, em um bairro na região Sul, em 1985. Ainda na capital mineira, também trabalhou no Departamento de Parques e Jardins, em 1984/85, quando atuou na arborização das avenida Cristiano Machado e no projeto paisagístico do Museu Abílio Barreto, a principal instituição cultural/ histórica que cuida da memória de Belo Horizonte. Em São Paulo, a partir da década de 1990, Pedro fez várias obras paisagísticas em parceria com o arquiteto Marcos Tomanik, principalmente em residências, haras e fazendas. No Rio de Janeiro, a partir da década de 1970, ele realizou diversos trabalhos em obras na capital fluminense; em Itaipava, na Serra de Petrópolis; e em Búzios, um dos balneários mais badalados do litoral fluminense. Além disso, elaborou e realizou o projeto paisagístico da Casa da Itália, no clube Costa Brava, durante os Jogos Olímpicos de 2016.
Construir um jardim com diversidade botânica envolve, principalmente, conhecimento e acesso às plantas. Por isso, ao longo da carreira, Pedro Nehring não apenas pesquisou muito, como também se tornou um catador de sementes em todas, sim, todas as viagens que fazia, fosse sozinho, fosse com a família".
Extrato de textos de Bruno Moreno



    

Por meio de nota, o Instituto Inhotim lamentou a morte do paisagista, destacando que ele "buscava  compreender e, principalmente, refletir os ciclos do ano na materialização dos seus projetos".
“O  Jardim Veredas (outro projeto de Nehring), e todos os seus projetos no Inhotim, são frutos de observações periódicas,  conhecimento ímpar sobre os ciclos das plantas e de percepção do tempo da natureza”, diz a nota.





Depoimentos

 “Cessa tudo quando a antiga musa canta quando um mal ou bem maior se levanta.

Assim, dizia o querido vôvo Vilela e que seu filho Pedro aprendeu e nos lembrava tão bem.
E hoje o silêncio reinou, pois, sim, a musa se calou.
O que dizer após uma partida assim tão repentina?!?
Sim, eu sei que, não importa o que eu diga, nada o trará de volta, mas as palavras, acreditem, tem poder sobre a vida e sobre a morte.
Foi por meio delas que Deus criou tudo o que existe e é por meio delas que teço esta homenagem ao marido, pai, avô, tio, primo, irmão, amigo, paisagista, músico e artista Pedro Henrique Nehring Cesar.
O mundo hoje chora sua partida! De vigor e força fora do comum, falamos de um homem que desde sempre plantou árvores.
Seja aos 25 anos de idade quando começou arborizando a avenida Cristiano Machado, como assessor da Secretaria de Meio Ambiente da Diretoria de Parques e Jardins de Belo Horizonte.
Seja aos 67 anos como paisagista, diretor de Parques e Jardins do maior jardim botânico do mundo, o Inhotim.
Se tem algo que Pedro Nehring fez foi plantar árvores.
pedro
Foram 42 anos não só plantando árvores, mas salvando árvores, transplantando de um lado pro outro como se fosse o próprio dedo de Deus fazendo o que nenhum cientista até fez.
E sim, precisou ser cercado deles - cientistas e botânicos – que buscavam entender, acompanhar e protocolar o sucesso em reproduzir espécies raras, nativas e exóticas, a translocar espécies adultas e tantos outros feitos que muitos puderam admirar de perto!
Se plantar árvore já é por si mesmo ato nobre que representa um recomeço, imaginem o que signfica cuidar delas e acompanhar seu crescimento, sua floração, frutificação e então coletar suas sementes e sim... semear, semear e multiplicar espécies onde os limites são dados apenas pelo espaço e pelo tempo.
Foram inúmeros metros quadrados plantados, inúmeras espécies, infinitos indivíduos, impossíveis de se contar até porque a natureza se encarregou de continuar seu legado, o multiplicando infinitamente numa corrente que seguirá por toda a posteridade!
E sim, a generosidade deste homem se extendeu a toda natureza e às futuras gerações que hoje honram seu legado!
Um avô agraciado...
Um pai sempre dedicado...
Um amante fiel e apaixonado...
Um tio e irmão aplicado...
Um amigo querido e amado...
Um paisagista ovacionado...
Não só sua família, mas o mundo e toda a natureza se despede e chora por sua partida.
Hoje não nos despedimos, mas dizemos um “ATÉ LOGO!” ou “ATÉ BREVE!”, pois sabemos que, em algum momento, nos reencontraremos com você nas regiões celestiais!
Aqui estará sempre vivo em nós...
Aqui jaz um grande homem, forte, corajoso, de fé inabalável e amor grandioso que serviu a Deus esculpindo jardins e deixando um precioso legado perpétuo até infinitas gerações.
“Eu sou um pássaro que vivo avoando...”


- Letícia Aguiar, sobrinha de Pedro Nehring

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Conheci Pedro Henrique Nehring Cesar ou simplesmente Pedro Nehring no período em que atuei no Instituto Inhotim, mas antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, comecei a admirar seu trabalho nos jardins aquele instituto.
Minha admiração logo cresceu quando, ao criarmos o Vandário do Inhotim vi Pedro trabalhando.
De imediato entendeu todas as necessidades do espaço e até mesmo com suas próprias mãos, de um dia para outro, fez o paisagismo, plantou palmeiras, fez caminhos colocando pedras onde não havia, harmonizando todo o entorno. Tudo dentro de sua cabeça, não havia esboço físico nenhum.
Além disto, sabia como mandar fazer e sabia como fazer ele mesmo. Frequentemente, eu o vi replantando, deslocando plantas para ficar exatamente como ele enxergava dentro de sua cabeça.

Posteriormente, em visita ao Inhotim, após minha saída, ele me levou para conhecer o novo jardim que ele estava fazendo. Era o Jardim  Veredas, iniciado em 2014 e que teve como inspiração Guimarães Rosa, as veredas do norte de Minas .
Mais um paisagem surpreendente criada por Pedro Nehring.
Não conheço ainda seu  último grande  trabalho, Jardim Sombra e Água Fresca, uma área de 32000 m², onde são encontradas aproximadamente 700 espécies de plantas e árvores frutíferas.
Visitar o Inhotim, é conhecer o legado desse grande paisagista que nos deixou recentemente onde trabalhou por quase 40 anos".

- Delfina de Araujo, curadora do Orquidário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.


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“Parece natural. E isso é uma grande virtude de um grande paisagista: conseguir estabelecer jardins, com pouco tempo, para que tenham essa vitalidade de parecerem que estão ali há muito tempo”

- Lucas Sigefredo, diretor do Jardim Botânico do Inhotim


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“O Pedro é um grande artista. Ele tem amor pelo trabalho, tem um cuidado muito especial. O jardim do Pedro tem uma sintonia que parece que nasceu ali”

- Marília Doyle Nehring César, esposa de Pedro Nehring


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Ele é irrepresentável. Um projeto de paisagismo dele não tem como fazer um projeto executivo, que é o que vai para a execução. Ele constrói uma forração com a arbustiva. Cada planta tem uma precisão. É muito por emoção e sentimento

- Pedro Doyle, arquiteto, filho de Pedro Nehring.


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“Meu pai pintando um jardim é como se estivesse pintando um quadro ao vivo. Ele é muito detalhista. E é onde ele gosta, então não tem como delegar. Se ele deixa lá e fazem diferente, ele muda tudo depois. É ele que pinta o quadro, não tem como pintar com ele. O trabalho dele tem uma identidade muito forte.
Ele fala que a natureza é perfeita. Então, pega o que tem naquela região, usa as coisas locais, como se fosse uma extensão do que Deus fez. A inspiração dele é maior do que o real.
A característica é que não parece ser algo montado. É muito orgânico. É claro que tem como referência meu avô (José Afonso Vilela César) e também o próprio Burle Marx, além de outros. Mas ele estuda muito e vai se reciclando.
Ele foi muito imitado, desde a obra do Antônio Cláudio (no bairro Mangabeiras em Belo Horizonte, em 1985) e, também por isso, podemos dizer que ele criou um estilo.”


- Daniella Doyle, jornalista, filha de Pedro Nehring



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Assim nasceu Inhotim.  Um lugar que não se acaba.
 Por Bernardo Paz

A primeira fase do paisagismo começou em 1986 e foi comandada pelo paisagista Pedro Nehring, meu amigo de infância, que planejou, projetou e executou os jardins em uma área de aproximadamente quinze hectares. Foram implantadas inúmeras espécies de palmeiras nativas brasileiras e outras exóticas, de várias regiões do mundo, assim como árvores arbustivas e herbáceas tropicais que se desenvolveram muito bem no local.
O projeto de paisagismo buscou sempre a exuberância, mas também muita harmonia entre as espécies, gerando dessa forma leveza e espontaneidade.
Como se esculpisse a natureza, o artista Pedro Nehring harmonizou os jardins de Inhotim com caminhos, escadas e pátios com pedras enormes de quartzito, cristal rosado, hoje raríssimas, sempre em busca de uma forma que evitasse denunciar uma criação surgida pela intervenção do homem.

 

 

 



Descanse em paz, Pedro.

 

 

Fotos: Sergio Araujo e acervo da família