Carlos Manuel de Carvalho


Médico do Hospital da Lagoa
do Rio de Janeiro,
especialista em Cirurgia Torácica.
Tem 54 anos e vive há 46
no Rio de Janeiro.
 

  ON: Por que começou a cultivar orquídeas? Qual foi o momento mágico da atração?
O interesse por orquídeas surgiu, por incrível que pareça, com a “Maria Sem Vergonha” das orquídeas, isto é, com o Epidendrum denticulatum que cresce num xaxim em Mauá, ao lado da nossa casa. Fiquei intrigado com aqueles buquês de pequenas flores lilás que permaneciam abertas
  durante o ano todo. Com uma lente de aumento, me surpreendi ao ver que cada uma delas era na verdade, uma flor de orquídea como já havia visto em alguns lugares e fotos, só que de tamanho grande. Foi aí que resolvi ir atrás de um livro muito antigo, que eu havia ganho quando garoto e que tinha fotos de orquídeas, quase todas em preto e branco, com algumas coloridas, pintadas à mão e que era nada mais nada menos que o livro do João S. Decker, “As Orquídeas e sua Cultura”, em sua edição de 1956, com ilustrações de Lilly Althausen. Penso, que no momento em que resolvi ir procurar algo sobre aquelas flores, já estava com a “doença”.
Creio que a “orquidomania” surge no momento em que
Epidendrum denticulatum
  você fica intrigado por aquela flor. Seja ela qual for. Depois disto, é fácil imaginar: "Olha lá outra, de outro tipo! Qual será?"
E tome mais livros e procura daqui, procura dali e já estamos com a febre classificatória.
Neste ponto, senti necessidade de alguma orientação e foi exatamente quando consegui, imaginem, numa exposição em São Paulo, o telefone da OrquidaRIO.
Associei-me e daí para frente, a seqüência é conhecida. Quis ter todas, cultivar todas, e iniciei com a outra “mania” que foi partir para a semeadura.

  ON: Há quantos anos você cultiva orquídeas?
Há cerca de dez anos e pelo andar da carruagem, isto tende a se estender "per omnia secula seculorum".
  É claro que já não cultivo como no início, sendo mais criterioso quanto à qualidade das plantas e também à quantidade de gêneros que possuo.
Hoje, tenho tendência a me restringir às Laelias e Cattleyas, aqui na cidade do Rio de Janeiro e aos Oncidium, na região de Mauá.
Diversificar muito cria dificuldades de cultivo acentuadas, já que você acaba ficando lado a lado, com plantas de exigências muito diferentes, em relação à rega, luz, etc...
C. intermédia punctata de arraial
  Para ter vários gêneros e espécies, é preciso escolher plantas com exigências de cultivo semelhantes.
Fica muito mais fácil cuidar delas.


ON: Quantas plantas você possui, aproximadamente?

No total, hoje tenho cerca de 1500 plantas adultas e plântulas já envasadas e por volta de 500 plântulas em frascos de cultura ainda por envasar.


Oncidium sp.
  O. crispum
ON: Quais as orquídeas que você mais cultiva? Existe alguma que seja a preferida?
Dentre isto tudo, a maioria é de Laelia, Cattleya e afins, e também de Oncidium, sobretudo o O. crispum que é hoje, o meu “xodó” entre todas, principalmente após ter ganho como melhor planta na última exposição do Jardim Botânico.


ON: Onde você cultiva suas plantas?
Cultivo em Botafogo, bairro do Rio de Janeiro, ao nível do mar e em Visconde de Mauá, cidade que fica na divisa dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, a 1.100m de altitude.
  ON: Você tem preferência por híbridos ou espécies? Por que?
Minha preferência são as espécies. A maior parte de plantas semeadas que tenho, são espécies. Entre todas as plantas, apenas uma pequena parte é de híbridos. Talvez por ter iniciado o meu interesse por orquídeas com uma flor tão pequena como a do Epidendrum denticulatum, não me impressionam os grandes híbridos, tão desejados por alguns e, sobretudo, pelos “leigos”. A sensação que tenho é que são flores feitas de cetim, paetês e lantejoulas.
Meus híbridos, aos meus olhos, são sempre de flores mais interessantes do que exuberantes.
  Como exemplo, cito a Blc. Keowee que acho linda, embora não obedeça aos critérios de sépalas e pétalas largas e fechando toda a flor. Aliás, é isto que acho mais bonito nesse híbrido. É poder perceber a forma da Brassavola, com suas pétalas e sépalas longas e finas. Como conseqüência disto, andei brincando de hibridização e os híbridos que fiz obedecem ao meu gosto.
Repeti, por exemplo, um híbrido primário com C. walkeriana e C. forbesii, que se chama C. Ching Li Sa e que ficou com uma forma e cor, a meu ver, muito agradáveis.
Cattleya Ching Li Sa
Cattleya Ching Li Sa
  Assim também fiz com um outro híbrido já conhecido (O. Vroni Keller) utilizando um bom O. crispum
  Oncidium Vroni Keller
Oncidium Vroni Keller
com um O. flexuosum e que me surpreendeu. Floriu em apenas três anos, aqui na cidade do Rio de Janeiro, permaneceu com uma linda floração durante 45 dias e a repetiu em seis meses. Além disto, diferentemente do flexuosum ficou com os pseudobulbos próximos uns dos outros, o que facilita mantê-lo dentro do vaso por bastante tempo. Apesar deste sucesso, ainda acho que vale mais cultivar aquilo que a natureza levou milhões de anos para fazer, através da evolução numa associação tão íntima com polinizadores que a desaparição de um pode implicar na extinção do outro.
É a diversidade de formas, cores, aromas, hábitos vegetativos que, objetivando a fecundação, tornam tão fascinantes para mim as espécies.
  Acredito que se eu tivesse objetivos comerciais, talvez também cultivasse os “grandes” híbridos, o que acho absolutamente legítimo, uma vez que quem determina essa produção é a demanda por este tipo de flor que, sem dúvida, sempre cria um grande impacto no ambiente em que estiver.

  ON: Quanto tempo, por dia, você gasta em seu orquidário, cuidando de suas orquídeas?
Habitualmente visito as orquídeas diariamente e faço uma vistoria rápida para ver se há alguma anormalidade como presença de pragas. Também rego diariamente as plântulas que estão em vasos de barro, pois secam rapidamente. Isto me toma cerca de meia hora por dia. No fim de semana, passo as manhãs de sábado e domingo inteiras, por conta do orquidário. Quando viajo, evidentemente, isto falha. Quanto às orquídeas que cultivo em Mauá, por serem todas nativas da região e por ser longe, (o que faz com que eu as veja apenas uma a duas vezes por mês), ficam entregues à própria sorte. Incrivelmente todas vão muito bem..
  ON: Quais são as condições climáticas encontradas em seu ambiente de cultivo?

No Rio de Janeiro, todos sabemos.
Calor ou menos calor e muita chuva no verão.
Tenho por isto, um orquidário coberto, para poder controlar as regas.
 

orquidário em Botafogo
 
Visconde de Mauá  
Em Visconde de Mauá, as estações são bem marcadas e o período de chuvas também. No inverno de Mauá, no mês de julho, há muitas geadas e pelo menos três ou quatro vezes no mês, temperaturas de dois a três graus centígrados negativos. O inverno é muito seco. Estas condições são fundamentais para ativação das florações na primavera, dos Oncidios, das Bifrenarias, dos Zigopetalos, etc... A primavera é acompanhada de muita chuva que se estende pelo verão todo até final de março e princípio de abril. Como todas as orquídeas que deixo por lá são da própria região, o orquidário é aberto, coberto apenas com sombrite e as plantas ficam submetidas ao regime de chuvas e temperaturas do local.

 
ON: Você poderia nos dizer de que maneira cultiva em cada ambiente?
Como já adiantei, no Rio cultivo de maneira controlada e com os cuidados habituais fito-sanitários e de adubação. Uso adubo a cada quinze dias aproximadamente e na entrada de cada estação do ano ponho também um pouco de torta de mamona misturada a cinza de madeira e farinha de osso na proporção 1:1:1. O orquidário é coberto com plástico de 100 micra de espessura, transparente, que fica preso em um “sanduíche” de tela de náilon, para evitar que o vento o arranque ou danifique. Infelizmente há um pé de Jamelão que faz muita sombra sobre ele e deita todo o tipo de porcarias sobre o teto do orquidário. Por conta disto, também tenho muitos insetos e ácaros com muita freqüência atacando as plantas.
  Já em Mauá, adubo só quando vou, ou seja, em média uma vez por mês.
Quase todas as orquídeas são plantadas sobre tronquinhos de árvore, habitualmente pereira ou laranjeira, para simular o melhor possível o próprio ambiente.
Muitos destes “vasos” são pendurados nas próprias árvores, fora do orquidário.
Aliás, a maior parte das orquídeas nativas de lá estão montadas nas próprias árvores. uma vez que eu me preocupo bastante em mantê-las no ambiente original.
Costumo também fecundá-las, sobretudo no caso dos Oncidium crispum, que não mostram frutificação espontânea há muitos anos. Temo que o polinizador do local tenha desaparecido com os desmatamentos, queimadas, e agrotóxicos usados no local.
  Oncidium welteri, Oncidium gardneri, Oncidium cruciatum, Maxilarias, Zigopetalum e Bifrenarias continuam sendo fecundados naturalmente.

  ON: Você fez um híbrido interessante unindo as duas condições de cultivo. Qual foi e quais as suas vantagens?
O híbrido interessante a que você se refere é exatamente o Oncidium Vroni Keller, do qual já falei antes. A intenção foi melhorar a flor do Oncidium flexuosum, aproveitando-lhe a rusticidade e a possibilidade de cultivo em vários ambientes, injetando a qualidade da flor do Oncidium crispum que é muito exigente em termos de ambiente para florir. Acho que a meta foi atingida.

  ON: Você teria alguma dica de cultivo sua que quisesse compartilhar conosco?

Como dica de cultivo, sugiro apenas que quem tiver dificuldades com Oncidium, use um vaso de barro com pouco xaxim no fundo ou preferentemente, coloque-o em troncos de árvore como os que eu faço. Eles vão muito bem neste tipo de vaso, que é muito fácil de ser feito. Basta juntar três tronquinhos pondo a ponta de um sob a do próximo, formando um triângulo. Um pouco de xaxim no centro, ajuda com a umidade necessária até o enrraizamento da planta. Todo Oncidium que comigo andou “mal das pernas”, se recuperou nestes vasinhos.

  o. barbatum
o. barbatum
o. gardneri
o. gardneri
o. warmingiio. warmingii

 

ON: Existe alguma história ou caso interessante ligado à sua relação com as orquídeas?
Na minha primeira excursão a Massambaba para ver Cattleya intermedia, cheguei de bermuda e com um isopor cheio de cervejas geladas. Todos riram!
O sol estava de rachar, havia muita plantas espinhosas e me avisaram que era para ter vindo com as pernas protegidas e sem peso excessivo, pois a marcha pela restinga é muito dura. Ainda assim, resolvi “encarar” a carga. Depois de duas horas de procura e sol a pino, eu, no fim da fila, peguei uma cerveja e abri. No "TSSCHHH" da abertura da latinha, todos pararam e olharam para trás. Houve quem oferecesse dez contos por uma lata!
Também tivemos a oportunidade de ver uma jibóia bem graúda sobre as areias da restinga, que se interpunha entre nós e uma touceira de Cattleya intermedia punctata. Felizmente, ela acabou se retirando para colaborar conosco.

ON: Diz-se que a orquidofilia é uma manifestação branda de loucura. Você já fez alguma loucura orquidófila?
Acho que a orquidofilia, longe de ser uma manifestação branda de loucura, faz exatamente é abrandá-la. Não vejo como fazer doidices numa atividade tão reflexiva. Se alguém o fizer, é porque é doido de base mesmo!


ON: Obrigado.

 
  Fotos: Carlos Manuel



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